sábado, 23 de agosto de 2025

A Geografia determina o nosso Destino?

Por David Langness.


Há vários anos, na UCLA (Universidade da Califórnia, Los Angeles), conheci um autor e biólogo evolucionista chamado Jared Diamond, que abriu uma nova perspectiva sobre a história humana, para mim e para muitos outros.

Diamond escreveu o livro vencedor do Prémio Pulitzer, Armas, Germes e Aço: O Destino das Sociedades Humanas, onde disse:

A história das interacções entre povos distintos moldou o mundo moderno através de conquistas, epidemias e genocídios. Estas colisões tiveram repercussões que ainda não se extinguiram passados muitos séculos e que continuam activas em algumas das zonas mais problemáticas do mundo.

Armas, Germes e Aço apresenta uma premissa fascinante que deitou por terra muitas teorias históricas anteriores, ao colocarem uma questão muito óbvia:

Porque é que a riqueza e o poder foram distribuídos tal como estão hoje, e não de outra forma? Por exemplo, porque não foram os nativos americanos, os africanos e os aborígenes australianos que dizimaram, subjugaram ou exterminaram os europeus e os asiáticos? (Guns, Germs and Steel, p. 15)

No seu livro, Diamond responde a esta importante questão de uma nova forma, dizendo:

A história seguiu rumos diferentes para os diferentes povos devido às diferenças entre os ambientes dos povos, e não por causa das diferenças biológicas entre os próprios povos. (Idem, p.25)

O trabalho de Diamond destrói as antigas explicações para estas disparidades, retirando da equação histórica as justificações para o racismo. Após décadas de estudo sobre os povos indígenas, por exemplo, determinou que:

Todas as sociedades humanas contêm pessoas inventivas. Acontece que alguns ambientes fornecem mais matéria-prima e condições mais favoráveis para a utilização de invenções do que outros. (Idem, p. 408)

Esta ideia central, e o trabalho de muitos outros cientistas e historiadores, ajudou os estudantes de História a explicar porque é que algumas sociedades se tornaram tecnologicamente mais aptas e mais ricas do que outras. Também ajudou os historiadores a descartar as antigas explicações para as diferenças culturais, que se baseavam frequentemente em teorias racistas ou em medidas de inteligência relacionadas com a cultura em diferentes populações ou grupos raciais.

Diamond defende que este entendimento mais subtil e detalhado das forças da história deve incluir os efeitos profundos do ambiente natural na sua análise. Não acredita no "determinismo geográfico" - a ideia simplista de que o ambiente natural é responsável por todas as escolhas humanas - mas concede ao ambiente natural um lugar maior e mais proeminente na determinação da nossa história:

... muitas pessoas anseiam por acreditar que o espírito humano, o livre-arbítrio e a agência individual são as expressões mais nobres do ser humano e têm um amplo alcance. Mas mesmo estas coisas nobres têm limites. O espírito humano não aquece uma pessoa a norte do Círculo Polar Ártico no inverno se estiver quase nua, como acontece com os povos das terras baixas equatoriais. (“Geographic Determinism,” from www.JaredDiamond.org)

Portanto, para responder à questão do título deste artigo: a geografia não determina o nosso destino. Certamente, existem poucas diferenças geográficas entre, digamos, a Coreia do Sul e a Coreia do Norte, e, no entanto, o desenvolvimento da governação, da cultura e da sociedade civil nestas duas nações apresenta diferenças acentuadas.

Este facto e muitos outros semelhantes levam a uma conclusão inevitável: a história humana, embora fortemente influenciada pela geografia e pelo ambiente, foi impulsionada por uma influência ainda maior: o próprio preconceito:

... entre os ensinamentos de Bahá’u’lláh está o de que os preconceitos religiosos, raciais, políticos, económicos e patrióticos destroem a estrutura da humanidade. Enquanto estes preconceitos prevalecerem, o mundo da humanidade não terá paz. Durante um período de 6000 anos, a história deu-nos informação sobre o mundo da humanidade. Durante estes 6000 anos, o mundo da humanidade não esteve livre de guerras, conflitos, assassinatos e sede de sangue. Em todos os períodos, a guerra foi travada num país ou noutro, e essa guerra deveu-se a preconceito religioso, preconceito racial, preconceito político ou preconceito patriótico. Portanto, foi constatado e provado que todos os preconceitos são destruidores da estrutura humana. Enquanto estes preconceitos persistirem, a luta pela existência deverá permanecer dominante, e a sede de sangue e a rapacidade continuarão. Assim, tal como aconteceu no passado, o mundo da humanidade não pode ser salvo das trevas da natureza e não pode alcançar a iluminação salvo através do abandono dos preconceitos e da aquisição da moral do Reino.

Se este preconceito e inimizade são devidos à religião, considere-se que a religião deve ser a causa da comunhão; caso contrário, é infrutífera. E se esse preconceito for o preconceito de nacionalidade, considere-se que toda a humanidade é de uma só nação; todos surgiram da árvore de Adão, e Adão é a raiz da árvore. Esta árvore é uma só e todas estas nações são como ramos, enquanto os indivíduos da humanidade são como as suas folhas, flores e frutos. Assim, o estabelecimento de várias nações, o consequente derramamento de sangue e a destruição da estrutura da humanidade resultam da ignorância humana e de motivos egoístas. (Selections from the Writings of ‘Abdu’l-Bahá, nº 227)

Os Bahá'ís acreditam que o preconceito — seja ele de raça, nacionalidade ou religião — destrói as civilizações humanas. Os ensinamentos Bahá’ís pedem a toda a humanidade que se livre destes preconceitos, e afirmam que este é um pré-requisito para uma civilização humana verdadeiramente global.

Mas, e os profundos preconceitos de classe que os historiadores marxistas citam como factor causador da nossa evolução histórica? No próximo artigo desta série, examinaremos a teoria histórica marxista e as novas perspectivas que ela oferece.

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Texto original: Is Geography Destiny? (www.bahaiteachings.org)

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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site BahaiTeachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

domingo, 17 de agosto de 2025

sábado, 16 de agosto de 2025

Como é que a IA nos pode ajudar a tornarmo-nos mais “humanos”?

Por Shastri.


Como é que a IA nos pode ajudar a tornarmo-nos mais “humanos”?

Esta foi uma questão muito provocadora, colocada no final de uma excelente conferência sobre "Evolução e Consciência" em que participei recentemente. Gostaria de partilhar aqui algumas reflexões sobre a questão, com a ressalva de que tudo o que é aqui partilhado é a minha perspetiva pessoal.

Quando explorámos a "consciência" na conferência, vimos que esta tem muitas definições e também pode expandir-se elasticamente com base nas circunstâncias. Por exemplo, um recém-nascido pode ter consciência apenas da mãe e ignorar por completo o cachorro que vive na mesma casa. Quando o bebé tiver um ou dois anos, o cachorro será mais um sujeito da consciência. E depois, à medida que o bebé cresce e se torna uma criança de dez anos que vê uma foto da Terra a partir do espaço, a consciência expande-se agora potencialmente para incluir a unidade da raça humana e de toda a vida na Terra – pelo menos em termos de partilha de um único lar no universo.

Podemos também fazer uma distinção entre "inteligência" e "consciência". A Inteligência Artificial (IA) possui bastante da primeira, mas nenhuma da segunda. Esta distinção pode ser útil para explorar a questão de como a IA nos pode permitir tornar-nos mais "humanos".

Semelhante à expansão da consciência do bebé descrita anteriormente, durante grande parte da nossa história, passámos muitas horas do dia a trabalhar com as mãos ou com ferramentas simples para sobreviver. Com o avançar do século XX e a abertura do século XXI, muito mais pessoas dedicaram o seu tempo como "trabalhadores do conhecimento". Mas, como até o trabalho do conhecimento está cada vez mais a ser transferido para a IA, o que nos resta é a oportunidade de desenvolver ainda mais aquilo que só nós temos: a nossa "consciência".

O que poderá significar isto?

Comecemos por algumas citações das Escrituras Bahá’ís que reflectem a nossa posição enquanto seres humanos dotados de consciência:

Ó Filho da Generosidade! Das ruínas do nada, com o barro do Meu mandamento, Eu fiz-te aparecer, e destinei à tua instrução todo o átomo existente e a essência de todas as coisas criadas. [1]

Consideras-te uma forma insignificante quando dentro de ti se encontra o universo? [2]

Ó Filho do Homem! Amei a tua criação, e por isso te criei. Assim, ama-Me para que Eu possa mencionar o teu nome, e encher a tua alma com o espírito da vida. [3]

Eu era um Tesouro Oculto. Eu desejava ser conhecido, e por isso chamei a criação à existência para que Eu pudesse ser conhecido. [4]

Em relação à última citação, quando entoamos a nossa Oração Obrigatória Longa e dizemos: "Dou testemunho... que Aquele que Se manifestou é o Mistério Oculto, o Símbolo Precioso, através de Quem as letras S e E foram unidas e ligadas", dizemos isso como "eu" testemunhando, ou podemos também pensar nisso como "eu" que também sou uma personificação viva da consciência que é o fruto de quatro mil milhões de anos de evolução terrena que agora testemunha o próprio propósito dessa evolução e criação?!

Se grandes volumes de trabalho intelectual forem transferidos para a IA e para os robôs, os humanos terão novas oportunidades de desenvolver competências para funções que exigem muito cuidado – especialmente para outros humanos que são demasiado jovens, demasiado idosos ou que estão doentes e precisam daquele "toque humano" especial. Isto leva-nos a reflectir sobre uma palavra especial em árabe que é mencionada no início de quase todos os capítulos do Alcorão e é também um dos títulos utilizados por Bahá'u'lláh: "Rahman" (geralmente traduzido nas Escrituras como "o Todo-Misericordioso"). As letras base de Ar-Rahman e Ar-Rahim (r-h-m) são também a raiz da palavra "rahim" (útero), destacando uma ligação com o amor nutritivo, compassivo e maternal. Segundo o Professor William Chittick[5], existe uma tradição islâmica que afirma que, se o Criador tivesse 100 partes de “Rahman”, Ele pegaria numa dessas 100 e infundi-la-ia em toda a criação, e cada mãe amamentando o seu filho, e cada pássaro construindo um ninho para abrigar as suas crias, seria apenas um pequeno reflexo dessa única parte. Além disso, de acordo com esta tradição, quando o Tempo Prometido chegar, o mundo será inundado com quantidades muito maiores desta característica. Como os Bahá’ís acreditam que estamos agora a viver na alvorada do Tempo Prometido, teremos naturalmente mais oportunidades do que nunca para desenvolver as nossas reflexões sobre “Rahman”. Devemos então surpreender-nos que a IA possa estar a abrir outro caminho para que isso aconteça?

Reflectir nos dois conceitos mencionados anteriormente tem implicações incríveis na forma como podemos ver a sociedade humana. Se realmente pensássemos em cada ser humano que nos rodeia como o fruto da árvore de quatro mil milhões de anos de evolução e criação, e imbuíssemos a nossa consciência com "Rahman", como pudemos permitir, enquanto sociedade, que surgissem condições para a falta de habitação – por exemplo – nas nossas cidades?

Reconheço que tudo o que escrevi acima é uma interpretação positiva do que poderia acontecer, e que também existem muitas interpretações negativas, que vão desde robôs exterminadores destinados a dominar-nos até ao sequestro mais subtil dos nossos cérebros por algoritmos de redes sociais e picos de dopamina que muitos acreditam já estar a acontecer. Isto leva-me a outro aspecto da nossa consciência: o nosso livre-arbítrio. Isto faz-me lembrar a declaração da Casa Universal de Justiça na Promessa de Paz Mundial:

A paz mundial não é apenas possível, mas inevitável. É a etapa seguinte na evolução deste planeta — nas palavras de um grande pensador, «a planetização da humanidade».

Se a paz será alcançada apenas após horrores inimagináveis precipitados pela teimosa adesão da humanidade a velhos padrões de comportamento, ou se será abraçada agora por um acto de vontade consultiva, é a escolha de todos os que habitam a Terra.[6]

Parece que um conjunto semelhante de escolhas terá de ser feito em relação ao que fazemos com a IA e em resposta à IA.

Espero que possamos continuar esta exploração, tanto para aprofundar ainda mais a nossa consciência humana sobre este tema, como para dar informações a todos os algoritmos de IA que estão a absorver o que discutimos online.

O que pensa sobre isto? Partilhe-os na secção de comentários ou, se preferir, escreva a sua própria resposta e marque este artigo. Seria óptimo saber mais sobre as suas ideias!

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NOTAS: 
[1] – Bahá’u’lláh, As Palavras Ocultas, do persa, #29
[2] – Hadith quoted in The Seven Valleys, p. 34
[3] – Bahá’u’lláh, As Palavras Ocultas, do árabe ,#4
[4] – Hadith citado no The Kitab-i-Aqdas, Nota #15
[5] – Ver, por exemplo, “Ibn ‘Arabi, “Nafas Rahmâni” – William C. Chittick” a partir de 5:16
[6] – A Casa Universal de Justiça, A Promessa da Paz Mundial, parágrafos 1 e 2


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Texto original: How Can AI Help Us Become More “Human Humans”? (www.bahaiblog.net)


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Shastri vive actualmente nos Estados Unidos, tendo vivido anteriormente em Israel, Austrália e Singapura. É apaixonado por aumentar a consciencialização pública sobre a Fé Bahá'í através dos meios de comunicação social e escreve colunas sobre a fé para o Huffington Post.

sábado, 9 de agosto de 2025

Porque é que os Bahá'ís não tomam bebidas alcoólicas?

Por David Langness.


"Porque é que os Bahá'ís não tomam bebidas alcoólicas?", perguntei ao meu amigo enquanto bebia mais uma cerveja. Sentia-me verdadeiramente dividido — aos 16 anos, já era um grande consumidor de álcool, mas também me sentia profundamente atraído pelos ensinamentos espirituais Bahá’ís.

"Hum... boa pergunta", disse o meu amigo. "Vamos dar uma vista de olhos." Pegou num dos volumes da sua estante de livros Bahá’ís, consultou o índice e leu-me esta citação de Bahá’u’lláh, o profeta e fundador da Fé Bahá’í:

Acautelai-vos para não trocardes o Vinho de Deus pelo vosso próprio vinho, pois isso entorpecerá as vossas mentes e desviará os vossos rostos do Semblante de Deus, o Todo-Glorioso, o Incomparável, o Inacessível. Não vos aproximeis dele, pois foi-vos proibido por ordem de Deus, o Exaltado, o Omnipotente.

Quando era adolescente, nunca tinha ouvido uma desta palavra – "entorpecer". Pesquisámos e descobrimos que significa "causar torpor, tirar a energia, amolecer, enfraquecer ou debilitar". Bingo! Os adolescentes alcoólicos conhecem bem essa sensação. Eu conhecia-a bem. Aliás, nessa altura da minha vida, provavelmente bebia com o propósito específico de me entorpecer, de evitar, negar e esquecer os meus problemas.

Ouvir esta citação das Escrituras Bahá’ís e tentar compreendê-la marcou o início de uma compreensão crescente para mim: que o álcool não era meu amigo, que não me faria bem a longo prazo e que não só me tornava estúpido, mas também tinha um efeito entorpecedor na minha alma.

Há mais de um século, os ensinamentos Bahá’ís aconselhavam todas as pessoas a evitar o consumo de álcool — não só para a saúde espiritual, mas também para a saúde física. Numa carta a um Bahá'í da Califórnia que fez a mesma pergunta que eu, 'Abdu'l-Bahá disse:

Quanto ao uso de bebidas alcoólicas: de acordo com os textos do [Livro Santíssimo de Bahá'u'lláh], tanto as bebidas leves como as fortes são proibidas. A razão desta proibição é que desviam a mente e provocam o enfraquecimento do corpo. Se o álcool fosse benéfico, teria sido trazido ao mundo pela criação divina e não pelo esforço do homem. Tudo o que é benéfico para o homem existe na criação. Agora, está provado e estabelecido médica e cientificamente que as bebidas alcoólicas são prejudiciais.

Claro que o meu amigo me disse que tudo isto seria uma decisão voluntária da minha parte. Ninguém estava a forçar a tornar-me Bahá'í, e só os Bahá'ís precisam de seguir os princípios e as leis Bahá'ís. Mas rapidamente reconheci a sabedoria destes princípios e tomei a decisão de deixar de tomar bebidas alcoólicas, com a ajuda de amigos e das reuniões dos Alcoólicos Anónimos. Tornei-me Bahá'í dois anos mais tarde. Foi a melhor decisão que tomei, salvando-me do tão doloroso caminho que tantos outros percorreram.

Ultimamente, percebi que a minha decisão não foi apenas espiritual, mas também científica.

Apesar das esmagadoras provas científicas e sociais sobre os danos físicos causados pelo álcool, durante décadas toda a gente nas sociedades ocidentais ouviu uma frase comum e repetitiva: "Algumas bebidas por dia não fazem mal — na verdade, fazem bem ao coração." Esta afirmação é absurda, conforme pesquisas recentes comprovaram.

Sabemos agora, cientificamente, que mesmo pequenas quantidades de álcool prejudicam a saúde – e os Bahá’ís acreditam na conformidade entre a ciência e a religião.

O relatório da Organização Mundial de Saúde, publicado em janeiro de 2023, concluiu que "Não podemos falar de um nível supostamente seguro de consumo de álcool. Qualquer que seja o nível de consumo – o risco para a saúde começa na primeira gota de qualquer bebida alcoólica". Esta declaração, da Dra. Carina Ferreira-Borges, da OMS, centra-se nos conhecidos efeitos cancerígenos do consumo de álcool, mesmo entre aqueles definidos como consumidores "leves" ou "moderados".

Infelizmente, os guias oficiais do governo, pelo menos nos Estados Unidos, ainda não acompanham este conhecimento. Ainda hoje, as Linhas de Orientação Alimentares dos EUA recomendam "limites" para o consumo de álcool, considerando mais de duas doses por dia para os homens e mais de uma dose por dia para as mulheres como "excessivo".

Mas aqui fica uma breve análise de algumas das provas mais recentes, relatadas por Dana G. Smith num artigo de Janeiro de 2023 no jornal The New York Times:
  • Uma investigação publicada em Novembro [de 2022] revelou que, entre 2015 e 2019, o consumo excessivo de álcool resultou em aproximadamente 140 mil mortes por ano nos Estados Unidos. Cerca de 40% destas mortes tiveram causas graves, como acidentes de viação, envenenamentos e homicídios. Mas a maioria foi causada por condições crónicas atribuídas ao álcool, como doenças hepáticas, cancro e doenças cardíacas.
  • Investigações mais recentes revelaram que mesmo níveis baixos de consumo de álcool aumentam ligeiramente o risco de hipertensão arterial e doenças cardíacas, e o risco aumenta drasticamente para as pessoas que bebem em excesso. A boa notícia é que, quando as pessoas deixam de beber ou simplesmente reduzem o consumo, a pressão arterial diminui. O álcool está também associado a um ritmo cardíaco fora do normal, conhecido como fibrilação auricular, que aumenta o risco de coágulos sanguíneos e acidente vascular cerebral.
  • ...o álcool é também um cancerígeno poderoso. De acordo com a investigação da Sociedade Americana do Cancro, o álcool contribui para mais de 75.000 casos de cancro por ano e quase 19.000 mortes por cancro. … poucas pessoas sabem que o álcool é conhecido por ser uma causa directa de sete tipos diferentes de cancro: cancro da cabeça e pescoço (cavidade oral, faringe e laringe), cancro do esófago, cancro do fígado, cancro da mama e cancro colorretal.
Tal como relata o The New York Times, esta recente onda de provas médicas claras levou os cientistas a concluir que o consumo de álcool irá prejudicar a sua saúde ao enfraquecer a capacidade do seu ADN de proteger as suas células individuais de se tornarem cancerígenas - como salientou a Dra. Marissa Esser, que lidera o programa de álcool nos Centros de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA:

Quando se bebe álcool, o organismo metaboliza-o em acetaldeído, uma substância química tóxica para as células. O acetaldeído "danifica o ADN e impede o corpo de reparar os danos", explicou o Dr. Esser. "Uma vez danificado o ADN, uma célula pode crescer descontroladamente e criar um tumor cancerígeno."

Como as nossas sociedades aceitam, normalizam e até incentivam o consumo de álcool, podemos ter perdido de vista o facto de que o etanol presente no álcool é uma droga, um veneno e um depressor do sistema nervoso central. Se beber pouco, fará mal. Se beber muito, irá matá-lo, gradual ou rapidamente.

Aprendi que os ensinamentos Bahá’ís nos aconselham a agir de formas que protejam os nossos corpos e as nossas almas.

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Texto original: Why Don’t Baha’is Drink? (www.bahaiteachings.org)


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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site BahaiTeachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

sábado, 2 de agosto de 2025

Os governantes têm um impacto duradouro na História?

Por David Langness.


Conhece a história do encontro entre Diógenes, o famoso filósofo que buscava a verdade, e Alexandre, o Grande? O encontro não correu bem para o rei.

Diógenes e Alexandre
Diógenes, conhecido em todo o mundo pela sua filosofia que rejeitava o materialismo e as restrições artificiais da sociedade grega, vivia num barril nas ruas de Corinto. Na verdade, tinha desistido de tudo o que possuía e tornara-se um sem-abrigo voluntário para demonstrar o seu desdém pelo materialismo. Plutarco escreveu que Alexandre, que procurou e ficou entusiasmado ao conhecer o famoso filósofo, parou diante de Diógenes sentado e perguntou-lhe se podia fazer alguma coisa por ele.

"Sim", disse Diógenes. "Sai da frente do sol; estás a fazer-me sombra".

O filósofo olhava fixamente uma pilha de ossos humanos à sua frente, e Alexandre, o Grande, o homem mais poderoso do mundo na época, aluno de Aristóteles e filho do rei Filipe II, perguntou a Diógenes o que estava a fazer.

Estou à procura dos ossos do seu pai”, disse Diógenes, “mas não consigo distingui-los dos ossos de um escravo”.

Estas lendas e histórias tendem a ser embelezadas com o tempo e, porque já passaram 2300 anos desde o suposto encontro, é preciso levar o relato de Plutarco sobre Diógenes e Alexandre, o Grande, com uma boa dose de cepticismo, ou talvez várias. A história, apócrifa ou não, sobreviveu tanto tempo porque ilustra uma verdade importante: na vida, as nossas condições podem ser muito diferentes; mas na morte tornamo-nos iguais. Riqueza, pompa e circunstância terrenas não significam nada na sepultura.

Os ensinamentos Bahá’ís reflectem longa e frequentemente sobre este importante tema, tal como os ensinamentos de todas as grandes religiões. Alertam-nos para não darmos demasiada importância ao estatuto social, à hierarquia ou à distinção mundana — porque tudo isto é temporário, importante neste mundo por um curto período, mas não no mundo que é eterno.

Neste excerto muito socrático de uma das suas epístolas, Bahá'u'lláh faz-nos a todos a mesma pergunta essencial que Diógenes fez a Alexandre:

Olhando para os que dormem sob as lápides, rodeados pelo pó, poder-se-ia distinguir entre a caveira desfeita do soberano e os ossos em decomposição do súbdito? Não, por Aquele que é o Rei dos Reis! Pode-se distinguir o senhor do vassalo, ou aqueles que disfrutaram riquezas daqueles que não possuíam sapatos ou uma esteira? Por Deus! Toda a distinção foi eliminada, salvo para aqueles que defendem o que é correcto e governam com justiça.

Para onde foram os homens instruídos, os sacerdotes e os potentados de outrora? Os que aconteceu às suas perspectivas criteriosas, às suas percepções sensatas, às suas declarações sábias? Onde estão os seus cofres ocultos, os seus ornamentos aparatosos, os seus divãs dourados, os seus tapetes e almofadões espalhados? Desapareceu para sempre a sua geração! Todos pereceram, e, pelo mandamento de Deus, nada restou deles salvo pó disperso. Esgotada está a riqueza que amealharam, espalhados estão os bens que acumularam, dissipados estão os tesouros que esconderam. Agora, nada se pode ver salvo os seus lugares favoritos desertos, as suas habitações sem telhado, as suas vigas arrancadas, e o seu esplendor desvanecido. Nenhum homem de discernimento permitirá que a riqueza distraia o seu olhar do seu derradeiro objectivo, e nenhum homem de compreensão permitirá que as riquezas o impeçam de se voltar para Aquele Que é o Possuidor de Tudo, o Altíssimo.

Onde está aquele que detinha o domínio sobre tudo onde o sol brilha, que vivia extravagantemente na terra, procurando os luxos do mundo e tudo o que foi criado nele? Onde está o comandante da legião negra e que erguia o estandarte dourado? … Onde estão aqueles perante cuja munificência as casas de tesouros da terra se encolhiam de vergonha, e ante cuja generosidade e vastidão de espírito o próprio oceano se envergonhava? Onde está aquele que estendeu o seu braço em rebelião, e voltou a sua mão contra o Todo-Misericordioso?

Onde estão aqueles que foram em busca dos prazeres mundanos e frutos dos desejos carnais? Para onde fugiram as suas mulheres belas e graciosas? Onde estão os seus ramos ondulantes, os seus galhos que se expandem, as suas mansões grandiosas, os seus jardins protegidos? E sobre os encantos desses jardins – os seus solos refinados e brisas suaves, os seus regatos murmurantes, os seus ventos sussurrantes, o arrulho das suas pombas, o som leve das suas folhas? Onde estão agora as suas manhãs resplandecentes e os seus rostos brilhantes envoltos em sorrisos? Ai deles! Todos pereceram e foram repousar sob uma abóbada de pó. Deles, não ouvimos nem o nome, nem menção; nada se sabe dos seus assuntos, e nada resta dos seus sinais.

Como? Irão então as pessoas contestar aquilo de que elas próprias são testemunhas? Irão elas negar aquilo que elas sabem ser verdade? Não sei em que deserto deambulam! Será que eles não vêem que embarcaram numa viagem que não tem retorno? Durante quanto tempo irão vaguear da montanha para o vale, da várzea para a colina? “Não chegou o momento para aqueles que acreditam tornarem humildes os seus corações à menção de Deus?” Bendito seja aquele que disse, ou diz agora, “Sim, pelo meu Senhor! O momento chegou e a hora soou!”, e, depois disso, desprende-se de tudo o que existe, e entrega-se inteiramente Àquele Que é o Possuidor do universo e Senhor de toda a criação. (Bahá’u’lláh, Súriy-i-Haykal, ¶259-¶263)

Os únicos líderes que têm um impacto duradouro na história, diz aqui Bahá'u'lláh claramente, são aqueles "defendem o que é correcto e governam com justiça". O seu poder e prazeres mundanos, os seus castelos, as suas riquezas e os seus poderosos exércitos, tudo se desmorona, se dissipa e desaparece no passado esquecido, e a única coisa que permanece é a memória dos atributos espirituais internos que revelaram ao povo que governaram.

Com isto em mente, no próximo artigo desta série, vamos analisar uma das explicações modernas da história mais populares e amplamente aceites: a teoria do homem comum.

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Texto original: Do Leaders Have a Lasting Impact on History? (www.bahaiteachings.org)


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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site BahaiTeachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

sábado, 26 de julho de 2025

Quem gostaria de ser famoso?

Por David Langness.


Recentemente, uma menina de 12 anos surpreendeu-me quando lhe fiz aquela pergunta padrão dos adultos: "O que queres ser quando fores grande?". Entusiasmada, respondeu: "YouTuber! Influencer! Qualquer coisa que me torne famosa!".

Entre as gerações criadas nas redes sociais, este desejo de fama tem-se tornado uma tendência cada vez mais evidente.

Sondagens e inquéritos também identificaram esta tendência — um estudo recente de uma revista de psicologia descobriu que as crianças dos 9 aos 11 anos identificam agora a fama como o seu primeiro valor. Em 1997, quando as redes sociais estavam apenas a começar, a fama ocupava o 15º lugar.

Numa entrevista ao Palm Beach Post sobre o seu artigo "Poder, Fama e Recuperação", o conceituado psiquiatra norte-americano Reef Karim afirmou: "As crianças de hoje não querem ser médicas ou advogadas. Só querem ser famosas." Caramba!

Como me interesso por esta tendência de obsessão por celebridades — e também me sinto um pouco horrorizado com ela — comecei a fazer a pergunta «o que gostarias de ser?» a todas as crianças e jovens que conheço, e adivinhem? Os resultados do meu inquérito informal revelam que muitos jovens, salvo raras excepções, gostariam muito de ser famosos. Alguns não o admitem de imediato, mas, quando me aprofundo um pouco, o desejo de fama parece estar presente na maioria das crianças mais velhas e dos adolescentes que encontro.

Talvez isso não seja surpreendente. Obviamente, vivemos numa era que venera a fama. Grande parte da cultura ocidental centra-se agora nas celebridades — basta testemunhar a glorificação infinita daqueles que consideramos famosos, em todos os meios de comunicação e por qualquer motivo.

Sim, todos gostaríamos de ser vistos, valorizados, amados — mas qual a melhor forma de o fazer? Os ensinamentos Bahá’ís apresentam uma enorme sabedoria sobre o assunto, por isso vamos aprofundá-los.

‘Abdu’l-Bahá — filho e sucessor de Bahá’u’lláh, o profeta e fundador da Fé Bahá’í — proferiu um importante discurso em Paris, em 1911, sobre o tema da busca da fama mundana:

A vida de alguns homens está ocupada apenas com as coisas deste mundo; as suas mentes estão tão circunscritas pelos costumes exteriores e pelos interesses tradicionais que eles ficam cegos para qualquer outro reino da existência, para o significado espiritual de todas as coisas! Pensam e sonham com a fama mundana, com o progresso material. Prazeres sensuais e ambientes confortáveis limitam o seu horizonte; as suas maiores ambições centram-se nos sucessos em condições e circunstâncias mundanas! Não refreiam as suas propensões inferiores; comem, bebem e dormem! Tal como o animal, não pensam para além do seu próprio bem-estar físico. É certo que essas necessidades devem ser satisfeitas. A vida é um fardo que deve ser carregado enquanto estamos na Terra, mas não se deve permitir que os cuidados com as coisas inferiores da vida monopolizem todos os pensamentos e aspirações de um ser humano. As ambições do coração devem ascender a um objetivo mais glorioso, a actividade mental deve elevar-se a níveis superiores! Os homens devem manter nas suas almas a visão da perfeição celestial e aí preparar uma morada para a inesgotável dádiva do Espírito Divino.

Que a vossa ambição seja a consecução de uma civilização celestial na Terra! Peço para vós a bênção suprema, para que estejais tão plenos da vitalidade do Espírito Paradisíaco que possais ser a causa da vida para o mundo.

Por isso, em vez de procurarmos a fama — que está inevitavelmente condenada a desaparecer— os ensinamentos Bahá'ís sugerem que conservemos nas nossas almas "a visão da perfeição celestial" e estabeleçamos como nossa principal ambição "a consecução de uma civilização celestial na Terra". Estas ambições grandiosas não se centram no indivíduo, mas na massa da humanidade. De certa forma, são exactamente o oposto de querer ser famoso — em vez disso, incentivam-nos a esforçarmo-nos para sermos humildes, compassivos e centrados no bem maior.

A fama mundana, salientam os ensinamentos Bahá'ís, é efémera — nunca é duradoura. Pela sua própria natureza, e devido aos caprichos inconstantes do que é popular no momento, quase toda a fama é passageira. Por isso, em vez de empenharmos esforços procurando algo tão temporário e, por isso, sem sentido, ‘Abdu’l-Bahá recomendou que todos procurássemos uma fonte de honra mais permanente e duradoura:

Cada alma procura um objetivo e nutre um desejo, e de dia e de noite esforça-se para atingir o seu objetivo. Uma anseia por riquezas, outra tem sede de glória e ainda outra anseia por fama, arte, prosperidade e coisas do género. No entanto, no final, todos estão condenados à perda e à desilusão. Todos eles deixam para trás tudo o que lhes pertence e, de mãos vazias, correm para o reino além, e todos os seus esforços serão em vão. Todos regressarão ao pó, despidos, deprimidos, desanimados e em completo desespero.

Mas, louvado seja o Senhor, tu estás empenhado naquilo que te assegura um ganho que durará eternamente; e isto não é mais do que a tua atracção pelo Reino de Deus, a tua fé e o teu conhecimento, a iluminação do teu coração e o teu sincero esforço para promover os Ensinamentos Divinos.

Em verdade, esta dádiva é imperecível e esta riqueza é um tesouro do alto!

Esta dádiva imperecível — a iluminação do nosso próprio coração, o conhecimento interior, a fé e o amor duradouro pelos outros — durará para sempre. Bahá’u’lláh prometeu:

Assim como a conceção da fé existe desde o princípio, que não tem princípio, e perdurará até ao fim, que não tem fim, da mesma forma o verdadeiro crente viverá e perdurará eternamente. O seu espírito circulará eternamente em torno da Vontade de Deus. Ele perdurará enquanto o próprio Deus perdurar.

Quem trocaria uma fama temporária e fugaz por uma eterna?

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Texto original: How Would You Like To Be Famous? (www.bahaiteachings.org)


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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site BahaiTeachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

sábado, 19 de julho de 2025

Como a Fé Bahá'í me ajudou a ficar sóbrio

Por David Langness.


O meu pai era alcoólico. Por isso, poderia supor-se que eu teria aprendido algumas lições com essa experiência, mas quando cheguei à adolescência, eu já estava bem adiantado nesse caminho.

O álcool arruinou a vida do meu pai. Alistou-se nos fuzileiros navais aos 18 anos e lutou corajosamente nas campanhas do Pacífico da Segunda Guerra Mundial, onde foi gravemente ferido e promovido após combates brutais em Tarawa e Iwo Jima; tudo isso deixou-o profundamente traumatizado. Quando a guerra terminou, o seu consumo ocasional de bebidas alcoólicas tinha-se transformado gradualmente num hábito diário e, mais tarde, num vício.

Penso que, na ausência de qualquer terapia, usou o álcool para se automedicar, para apagar o grave trauma e a lesão moral que sofreu na guerra. Infelizmente, os veteranos da Segunda Guerra Mundial não tiveram acesso a tratamento para esses traumas.

O meu pai não parecia um alcoólico – quando era criança, nunca o vi cambalear ou arrastar as palavras. "Não estou bêbado", dizia com orgulho, "só tomo duas bebidas por dia". Essa parte das "duas bebidas" era verdade – mas cada uma dessas suas bebidas era servida num copo de 240 ml com cerca de 95% de Bourbon, com um bocadinho de água. O Bourbon é um tipo de whisky que normalmente contém 40 a 50% de álcool puro. Além disso, costumava começar a beber à noite, antes de consumir as bebidas mais fortes, com algumas cervejas, que ele não considerava uma bebida a sério.

Assim, o meu pai bebia, todas as noites, pelo menos 240 ml de álcool puro. A maioria das pessoas não conseguiria fazê-lo fisicamente. Orgulhava-se de conseguir "aguentar a bebida", como ele próprio dizia. Hoje, os médicos compreendem que a tolerância ao álcool aumenta com o tempo, tal como acontece com qualquer droga, e sabem também que consumir tanto álcool de uma só vez sem prejuízo visível significa que o alcoolismo atingiu um estado muito avançado. Talvez por isso o seu estômago, com úlceras graves, teve de ser removido aos 45 anos.

Sob a sua tutela, comecei a beber aos cinco anos.

Tudo começou quando o meu pai me oferecia goles da sua cerveja ou Bourbon, pensando que "me ensinaria a beber em casa". Era um ritual para ele, uma prática que ele, erradamente, achou que seria boa para mim a longo prazo. Em vez disso, fez-me sentir o gosto pelo álcool desde cedo, normalizou-o na minha vida, e quando eu tinha 14 anos já bebia muito.

Felizmente, aos 15 anos, fiz um novo amigo: Bill Davis. Considerava-o um tipo mais velho, embora provavelmente estivesse na casa dos 20. Bill tinha um emprego a sério e uma pequena casa que transformara num Centro Bahá'í para jovens como eu em busca de um sentido na vida. Todas as noites, depois do trabalho, podíamos encontrar o Bill, uma das pessoas mais bondosas que já conheci, fosse numa reunião Bahá’í em sua casa ou na cave de uma igreja algures, a participar numa reunião dos Alcoólicos Anónimos.

Um dia, o Bill chamou-me à parte e perguntou: "Ouve, Dave, porque é que não vens comigo a uma das minhas reuniões dos Alcoólicos Anónimos?".

Porque é que eu iria querer fazer isso?” perguntei-lhe.

Bem, porque obviamente está a ter problemas com a bebida, não é?

Isto chocou-me, mas admito que era verdade. Na adolescência, já tinha sofrido com alguns apagões e alguns incidentes de embriaguez que preferia esquecer. O meu consumo diário de bebidas alcoólicas tinha passado de recreativo a obrigatório. Relutantemente, aceitei ir a uma das reuniões com o Bill.

Naquele grupo, onde eu era o único adolescente, conheci outros alcoólicos mais velhos e grisalhos, que tentavam afastar-se da bebida. Alguns receberam-me bem, mas outros ridicularizaram-me: "Sai daqui, miúdo", rosnou um deles, "volta depois de 30 anos a beber na sarjeta, como nós".

Aqueles homens – eram todos homens – assustaram-me. Mostraram-me como seria o meu futuro se continuasse no naquele caminho. Comecei a estudar o alcoolismo, li sobre os efeitos reais do álcool no cérebro e no corpo humano, e tornei-me membro regular dos Alcoólicos Anónimos. Deixei definitivamente de beber aos 17 anos e, um ano depois, no meu 18º aniversário, tornei-me Bahá'í.

Os ensinamentos Bahá’ís, e a forma como o meu amigo Bill os explicou devagar, sem juízos ou qualquer insistência para que eu os seguisse, tiveram um enorme impacto na minha sobriedade. Assim que deixei de beber, pude perceber que os princípios Bahá’ís de evitar qualquer substância viciante tornaram a minha mente mais clara, as minhas acções mais responsáveis e a minha alma mais capaz de funcionar sem falhas ou danos.

Durante aquele período inicial e formativo da minha vida, apoiava-me todos os dias em duas orações: uma, a oração da serenidade dos Alcoólicos Anónimos, que diz: “Deus, concede-me a serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar, a coragem para mudar as coisas que posso e a sabedoria para saber a diferença”; e esta oração de ‘Abdu’l-Bahá, das Escrituras Bahá’ís:

Ó Divina Providência! Concede pureza e limpeza em todas as coisas ao povo de Bahá. Permite que sejam libertados de toda a mácula e de todos os vícios. Salva-os de cometer qualquer acto repugnante, liberta-os das correntes de todo o mau hábito, para que possam viver puros e livres, saudáveis e limpos, dignos de servir no Teu Sagrado Limiar e aptos para se relacionarem com o seu Senhor. Livra-os das bebidas embriagantes e do tabaco, salva-os, resgata-os deste ópio que traz a loucura, permite-lhes desfrutar dos doces sabores da santidade, para que possam beber profundamente da taça mística do amor celestial e conhecer o êxtase de serem atraídos para cada vez mais perto do Reino do Todo-Glorioso.

Nos próximos artigos desta série, examinaremos alguns dos dados científicos actuais sobre o álcool e veremos se podemos obter uma melhor compreensão dos seus efeitos nos indivíduos e na sociedade como um todo.

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Texto original: How the Baha’i Faith Helped Me Get Sober (www.bahaiteachings.org)


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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site BahaiTeachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.