domingo, 30 de setembro de 2007

Um pouco mais de Laicidade, sff.

No nosso país, o mais recente debate em torno de separação entre Estado e Religião, centra-se agora na assistência religiosa em hospitais, estabelecimentos militares, prisões e asilos. A ideia central – que me parece correcta – consiste em levar para os hospitais públicos e estabelecimentos militares a imparcialidade e neutralidade do Estado em matéria religiosa. Já era tempo!

Neste debate, algumas vozes católicas mais conservadoras consideram estas medidas um ataque inaceitável à Igreja Católica. Mas a verdade é que nesta matéria a Igreja Católica ainda goza de benefícios únicos, que se traduzem numa situação de privilégio inaceitável num Estado que se pretende neutro em matéria religiosa.

Outras vozes apoiantes de uma nova regulamentação sobre a assistência religiosa em estabelecimentos militares, hospitais, prisões e asilos usam argumentos que revelam ignorância sobre o fenómeno religioso e sobre a situação das comunidades religiosas no nosso país.

Um texto recente de Vital Moreira, Os Capelães, defende um conjunto de princípios com o qual concordo: É tempo de levar a sério a laicidade do Estado e de encerrar definitivamente as relações iníquas que o Estado estabeleceu com a Igreja Católica, conferindo-lhe privilégios inadmissíveis à luz da Constituição e da própria Concordata. O compromisso do Estado só pode ser com a liberdade religiosa de crentes e não crentes, sem privilégios nem discriminações.

Mas para lá dos princípios, existem aspectos do texto de Vital Moreira que revelam alguma ignorância em matéria religiosa. É como se as religiões fossem todas iguais. Quando o Professor considera que "os encarregados da assistência religiosa continuam a ser apenas ministros do culto" tem implícita a noção de que todas as religiões possuem clero. Para os Bahá’ís, a figura do “ministro do culto” não tem qualquer sentido.

Uma outra questão que não vejo abordada no texto de Vital Moreira é a seguinte: quais serão as comunidades religiosas que poderão prestar assistência religiosa nestes estabelecimentos públicos? Todas? Apenas as radicadas? Apenas as que possuem estatuto de Pessoa Colectiva Religiosa? Aquelas que o Ministro da Justiça decidir?

A regulamentação da assistência religiosa em estabelecimentos públicos, ou sob dependência do Estado, não pode ignorar a diversidade do fenómeno religioso, nem a situação jurídica das comunidades religiosas em Portugal. Se o fizer, arrisca-se a ser vista como um mero espasmo anti-religioso.

Lá longe...

O desejo de liberdade é inerente à condição humana.
Para quê reprimi-lo? Quem pode ter medo da liberdade dos outros?

sábado, 29 de setembro de 2007

Then They Came for the Baha'is

Texto colocado na webpage oficial do congressista americano Mark Steven Kirk.
Será que algum vez vamos ver um texto equivalente no site oficial de um deputado português?

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As Iranian President Mahmoud Ahmadinejad took the stage today to address students at Columbia University, his government was working at his direction to find and expel students from Iranian universities—solely based on the religion they practice.

There is a little-told story from Iran—a story we thought would forever stay buried in the darkness of 1930s Europe. This story is about a religion founded in Iran in the mid-1800s that has become Iran’s largest religious minority with over 250,000 members.

As the representative in Congress for the Baha’i Temple of North America, I know that the Baha’i faith preaches peace, tolerance and diversity of thought—values we embrace on the North Shore. But in an oppressive Islamic dictatorship like Iran, Baha’i values pose a clear and present danger to the regime.

In March of 2006, just a few months into Ahmadinejad’s presidency, the Command Headquarters of Iran’s Armed Forces ordered the police, Revolutionary Guard and Ministry of Information to identify all Baha’is and collect information on their activities.

Two months later, the Iranian Association of Chambers of Commerce began compiling a list of Baha’is serving in every business sector.

In May of last year, 54 Baha’is were arrested in Shiraz and held for several days without trial—the largest roundup of Baha’is since the 1980s. Then in August, Iran’s feared Ministry of the Interior ordered provincial officials to “cautiously and carefully monitor and manage” all Baha’i social activities. The Central Security Office of Iran’s Ministry of Science, Research and Technology ordered 81 Iranian universities to expel any student discovered to be a Baha’i. A letter issued in November from one university stated that it is Iranian policy to prevent Baha’is from enrolling in universities and to expel Baha’is upon discovery.

This year, the safety of Iranian Baha’is continued to deteriorate. This year, 104 Baha’is were expelled from Iranian universities. In February, police in Tehran and surrounding towns entered Baha’i homes and businesses to collect details on family members. The First Branch of the Falard Public Court refused to hear a lawsuit “due to the plaintiffs’ belonging to the Bahaist sect.”

In April, the Iranian Public Intelligence and Security Force ordered 25 industries to deny business licenses to Baha’is. The Ministry of Information threatened to shut down one company unless it fired all Baha’i employees. Banks are closing Baha’i accounts and refusing loans to Baha’i applicants. Just last week, the Iranian government bulldozed a Baha’i cemetery, erasing the memory of thousands of Iranian citizens.

The U.S. State Department’s 2007 Report on International Religious Freedom paints an even darker picture.

“Broad restrictions on Bahá'ís severely undermined their ability to function as a community. The Government repeatedly offers Bahá'ís relief from mistreatment in exchange for recanting their faith.

“Bahá'ís may not teach or practice their faith or maintain links with coreligionists abroad. Bahá'ís are often officially charged with "espionage on behalf of Zionism”…

“Since late 2005 Bahá'ís have faced an increasing number of public attacks…Radio and television broadcasts have also increasingly condemned the Bahá'ís and their religion…

“Public and private universities continued either to deny admittance to or expel Bahá'í students.”

We have seen this movie before—the opening scenes of one of the most horrific episodes in human history. What happened to our solemn promise of ‘never again’ made in 1945?

Never again would the international community stay silent about laws banning one group from attending school. Never again would we ignore orders to register with the government and report on your family’s whereabouts. Never again would we welcome a leader who has ordered a religious minority to be subject to secret police monitors and nightly round-ups.

When President Ahmadinejad rose to address the student body at Columbia—a school extolling the virtues of tolerance and diversity—why was there no mention of Baha’i student expulsion in Iran?

This is a defining moment for our new century. The lessons of the 20th century gave us all the warning signs of what will come if we do not speak out. The Iranian President has spoken – will we?

“Then they came for…” the Baha’is -- we pray the poem ends differently this time.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Ahmadinejad começa a ficar impaciente



Não há dúvida que estes dias de visita de Ahmadinejad a Nova Iorque têm sido frutuosos no que toca a incidentes relacionados com a religião Bahá’í. Desta vez aconteceu numa conferência de imprensa na sede das Nações Unidas, quando um jornalista da Voz da América o questionou sobre as perseguições aos Bahá’ís no Irão.

O jornalista referiu o respeito que Ahmadinejad mostrou pelos profetas divinos nos seus discursos e afirmou: "um dos Profetas Divinos que tem a maior minoria religiosa de adeptos, após os Muçulmanos, são os Bahá'ís". E referiu os documentos apresentados nas Nações Unidas que provam que o Irão tem aplicado uma política que impede o progresso social dos Bahá’ís. E então pergunta ao líder iraniano porque é que ele não usa os seus poderes presidenciais para garantir que os Baha’is recebem a mesma justiça que outros cidadãos iranianos.

Na sua resposta Ahmadinejad começa por declarar que os judeus têm Moisés, os cristãos têm Cristo, os Muçulmanos têm Maomé. E depois pergunta ao jornalista: "Consegue dizer-me quem é o profeta da religião divina que mencionou? Quando é que ele revelou? Ele tinha um nome? Boa sorte, obrigado"

O estilo arrogante e quase mal-educado são a maior novidade desta resposta. São certamente um sinal de alguma impaciência perante as repetidas perguntas que lhe têm sido feitas sobre os bahá’ís iranianos.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Diálogo inter-religioso à moda do Sr. Ahmadinejad

O encontro de Ahmadinejad com lideres cristãos em Nova Iorque.
Photo ©New York Times


Mahmoud Ahmadinejad lá vai prosseguindo o seu espectáculo mediático em Nova Iorque. Segundo relata o New York Times, o presidente Iraniano, esteve presente num
.. encontro amigável, e até caloroso, com lideres cristãos dos Estados Unidos e do Canadá, convictos de que o diálogo é o único caminho para evitar a guerra.
A reunião teve lugar no dia 26 de setembro e foi organizada por Menonitas e Quakers; o local foi o Church Center das Nações Unidas. Entre os palestrantes estavam um Quaker, um Católico, um Anglicano, um Baptista e um representante de conselho Mundial das Igrejas. Cerca de 140 representantes de outras religiões também estiveram presentes, mas nenhum líder judeu concordou em participar.

O NY Times escreveu:
“Fiquei com o coração despedaçado por ter havido tão pouco apoio de outras religiões para estarem presentes” afirmou Mary Ellen McNish, secretária geral do American Friends Service Committee, um grupo Quaker que ajudou a patrocinar o evento. “Se não avançarmos no caminho do diálogo, vamos acabar em confrontação”
Apesar das boas intenções do encontro houve um pormenor que não escapou ao NY Times: os Bahá'ís foram convidados para reuniões anteriores, mas os Iranianos recusaram estar presentes se os Bahá'ís lá estivessem. Palavras para quê? É o diálogo inter-religioso à moda do Sr. Ahmadinejad!

Para quem pensa que isto é o Islão, lembro que os muçulmanos que encontrei na Mesquita de Lisboa aquando da visita do Dalai Lama receberam todos os participantes com a maior cortesia.

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Link alternativo para a notícia do NY Times: Ahmadinejad Meets Clerics, and Decibels Drop a Notch

Ahmadinejad nos EUA (2)



Mais um video de uma entrevista do presidente Ahmadinejad é confrontado com questões sobre religião e direitos humanos. A dado momento (minuto 3:05) o moderador lança uma questão sobre os Baha’is no Irão.

Fica a tradução das palavras proferidas nesse momento.

MODERADOR: Temos muitas perguntas sobre a minoria religiosa Baha'i no Irão. Muitas das pessoas que questionam afirmam que a minoria Baha'i tem sido privada dos seus direitos humanos. Que resposta tem para isso?

AHMADINEJAD (através da tradutora): Na nossa constituição, o Cristianismo, o Judaísmo, o Islão e o Zoroastrismo são reconhecidos como religiões oficiais. Quando falamos de religião, referimo-nos às religiões divinas. No nosso país, seguimos essa lei; uma lei que é baseada no voto da maioria do povo.

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Não creio que o Presidente Iraniano tenha fugido à pergunta que lhe foi colocada. Na verdade, deixou claro que os Bahá'ís iranianos não têm direitos, porque professam uma religião que não é considerada oficial. Ou seja: a violação dos direitos dos Bahá'ís está consagrada na actual Constituição da República Islâmica do Irão.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

O primeiro palavrão

Uma semana após o início das aulas, o meu filho mais velho - já tem 4 anos - aprendeu o seu primeiro palavrão. Ao ver na televisão um político pouco conhecido, chamou a nossa atenção: "Olha o cara de bosta!"

Não é coisa que ele tivesse ouvido aqui em casa. Só pode ter aprendido isto na escola. Qual deve ser a melhor maneira de reagir a isto:

1 - Devo ficar orgulhoso com a sua capacidade de aprendizagem (afinal ainda só tinha passado uma semana de escola?

2 - Deverei averiguar se além do palavrão, também aprendeu na escola alguma de doutrina política?

As visitas do ditadores



O senhor da direita foi visitar uma universidade americana e ouviu o reitor dizer-lhe umas quantas verdades. Haverá nas universidades portuguesas algum reitor que consiga fazer o mesmo ao senhor da esquerda? Já que ele vai aparecer em Lisboa um dia destes...

(agradeço a ideia do João, um comentador deste blog)

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Lee Bollinger



Palavras de Lee Bollinger, presidente da Universidade de Columbia, num discurso de recepção ao presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad:
Senhor Presidente, você exibe todos os sinais de um ditador cruel e mesquinho e por isso pergunto-lhe: porque é que as mulheres, membros da fé Baha’i e tantos dos nossos colegas universitários se tornaram alvos de perseguição no seu país?
Não são palavras calorosas, mas o convidado também não é propriamente um Mahatma Gandhi ou um Nelson Mandela!

NOTA: parte deste discurso foi transmitido hoje no Telejornal da RTP.

Dr. 'Alí-Muhammad Varqá (1912 - 2007)



Na noite de sábado para domingo faleceu o último "Mão da Causa". O Dr. 'Alí-Muhammad Varqá tinha sido nomeado Mão da Causa em 1955 por Shoghi Effendi.

Os "Mãos da Causa" eram um conjunto de 50 crentes especialmente nomeados por Bahá'u'lláh, 'Abdu'l-Bahá e Shoghi Effendi, cujas principais funções consistiam em propagar e proteger a Fé Bahá'í. Com o falecimento de Shoghi Effendi, este título deixou de ser atribuido.

Devido aos muitos serviços relevantes prestados, a esmagadora maioria dos Mãos da Causa é recordada com muito carinho e admiração pelos bahá'ís.

sábado, 22 de setembro de 2007

A busca da paz

Excerto de um artigo de opinião de Jorge Sampaio, hoje no jornal Expresso. Os sombreados são destaques da minha responsabilidades.
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(...)
Ultimamente, há uma tendência crescente para encarar a religião como uma fonte de hostilidade e ódio. É bem verdade que não é fácil defender o seu papel como força positiva de paz – basta pensar no Iraque, no Afeganistão, na Indonésia, em Israel ou na Palestina, para sermos tentados a concluir que a religião alimenta a violência e multiplica os riscos de guerra. Mas, a meu ver, embora o factor religioso esteja presente em muitas das crises contemporâneas, isso não significa que seja o seu detonador.

Sustentar que a religião é uma das principais fontes do mal e da violência, não só é incorrecto, mas também perigoso, pois oculta a raiz política da maioria dos conflitos Práticas de discriminação, exclusão social, desigualdades de oportunidades, ambições militares, ausência de boa governação e rivalidades geopolíticas desempenham um papel importante no desencadear dos conflitos. Mesmo nos que são motivados por factores culturais e religiosos, a violência e o extremismo resultam quase sempre da instrumentalização da religião para fins ideológicos.

Pelo contrário, deve sublinhar-se que a influência positiva da religião está bem patente num núcleo de valores básicos e ideais, comuns às grandes tradições religiosas, a saber: primeiro, o direito fundamental de todos à vida, depois, o direito universal a uma vida com dignidade. Estes constituem o fundamento último da Democracia e do Estado de Direito, bem como da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e dos principais tratados internacionais que regulam as relações entre os povos.

Por isso, os lideres religiosos de todas as fés têm usado da sua influência para promover a resolução pacífica dos conflitos, através do diálogo e da negociação política. Não podemos subestimar o papel dos lideres muçulmanos no apoio aos esforços de paz e na condenação da violência e do terrorismo, em nome do respeito pelos preceitos fundadores do Islão. Não podemos pois, permitir que o extremismo e o fundamentalismo instrumentalizem a religião e a ponham ao serviço da violência e do terror, desvirtuando o seu desígnio humanístico. Mas, não podemos, também, aceitar que em nome da luta internacional contra o terrorismo, os políticos se subtraiam às suas responsabilidades de assegurar aos cidadãos uma vida digna no respeito pelos direitos humanos.

Importa que todos – lideres políticos e religiosos, igrejas e todas as organizações da sociedade civil – unam esforços na luta contra o extremismo, o totalitarismo e a exclusão. Importa trabalhar em conjunto em prol de uma aliança global para uma educação para a paz. A meu ver, a prevenção sustentável de conflitos joga-se, em grande parte, numa educação fundada no paradigma do respeito mútuo entre povos e na capacidade de diálogo entre culturas e tradições religiosas diferentes.

(...)

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Bento XVI e as Religiões do Mundo (8)

Ciência

No livro Fé, Verdade e Tolerância: o Cristianismo e as Grandes Religiões do Mundo, Bento XVI apresenta interessantes citações alguns cientistas a propósito da relação entre ciência e religião. Heisenberg, por exemplo, é referido como acreditando no facto da ciência e religião pertencerem a duas esferas completamente distintas que não estão em competição uma com a outra: nas ciências da natureza está em causa o certo e o errado; na religião, o bem e o mal, o valor e o não valor (p.125)

Wolfgang Pauli também é citado como tendo afirmado: “A separação total entre saber e acreditar é certamente um expediente para um tempo muito limitado. No âmbito da cultura ocidental, por exemplo, poderá chegar, num futuro não muito longínquo, o momento em que as alegorias e imagens da religião habitual não terão já poder de convicção, mesmo para1 o povo simples; nessa altura, receio eu, também a ética habitual fracassará, e acontecerão coisas de um horror de que ainda não podemos fazer qualquer ideia” (p.126)

Estas citações enquadram uma ideia central sobre a forma como Bento XVI encara a relação entre ciência e religião: “Esta [a religião] não pode arrogar-se a solução de problemas que têm a sua própria especificidade, mas tem de capacitar para as decisões últimas nas quais está sempre em jogo a totalidade do homem e do mundo” (p.129)

Os textos sagrados do Cristianismo (assim como os textos da maioria das religiões mundiais) possuem poucas ou nenhumas referências à ciência e ao actual conhecimento científico. Se tivermos em conta que foi apenas nos últimos dois séculos que a humanidade assistiu a uma tremenda evolução científica, essa ausência de referências pode parecer normal. Por outro lado, na história das religiões abundam episódios em que as descobertas científicas foram vistas como ameaças (e consideradas heresias!) porque colocavam em causa interpretações literais das Escrituras.

Desta forma, quando uma autoridade religiosa questiona a ciência (ou se limita a tecer considerações sobre esta) é normal que seja vista com alguma desconfiança. No caso deste livro, é o uso de algumas palavras que suscita as minhas reservas. Por exemplo, quando Bento XVI afirma que hoje "a doutrina da criação parece ultrapassada pela teoria da evolução" (p.228), podemos perguntar porque não afirma antes "a doutrina da criação foi ultrapassada pela teoria da evolução"? Por acaso terá dúvidas sobre este facto? E quando acrescenta que a Teoria da Evolução tem subjacente uma "ética cruel" (p.162) será isso um motivo para tornar preferível o criacionismo Bíblico?

Apesar disto, existem algumas opiniões que partilho com Bento XVI. Por exemplo, acredito que Deus e a natureza são distintos (p.153-154) e que a religião não tem resposta para problemas científicos mas deve potenciar a sua solução (p. 128). E também não acredito que o progresso científico, só por si, seja uma garantia da evolução (e libertação!) humana (p.228).

Também não penso que apenas o conhecimento científico deva ser reconhecido como "verdadeiro conhecimento" (p.158) e tudo o resto sejam apenas mitos; nos livros sagrados das grandes religiões mundiais encontramos ensinamentos éticos e morais que têm sido fonte de progresso e bem-estar de inúmeras sociedades.[2] Porque não poderemos considerar esses ensinamentos como uma forma de conhecimento?

É óbvio que como Bahá'í, tenho uma vantagem clara para falar da relação entre ciência e religião. As escrituras Bahá’ís surgiram entre 1844 e 1921; nesses tempos o progresso científico dava os seus frutos, e os seus benefícios eram perfeitamente visíveis. Além disso, Bahá’u’lláh declarou que a maior bênção de Deus ao ser humano foi a razão, e afirmou que deve ser a ciência a julgar a religião, e não religião a julgar a ciência. Afirmações deste género não se encontram na Bíblia, nem em qualquer outro Livro Sagrado. Em resumo, diria que os ensinamentos Bahá'ís sobre ciência e religião, encontram eco na célebre afirmação de Eisntein: “A ciência sem religião é coxa; a religião sem ciência é cega.”

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NOTAS
[1] – Em relação à Teoria da Evolução de Darwin, Bahá’u’lláh afirmou que aquele cientista tinha descoberto parte da verdade, mas não descobrira toda a verdade.
[2] – Do mesmo modo, também não podemos negar que ao longo da história os ensinamentos dos Livros Sagrados foram manipulados, tendo inspirado os piores actos que um ser humano pode cometer. Mas o mau uso da religião não pode invalidar a religião, tal como o mau uso da ciência não pode invalidar a ciência.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Lutar contra os mortos

As notícias das humilhações e agressões a Bahá’ís no Egipto e no Irão são uma triste rotina deste blog. Confesso que me chateia publicar ciclicamente textos sobre estes assuntos. Parece que é sempre a mesma coisa e não saímos disto. Mas sinto que não posso deixar de o fazer, mesmo que isso cause algum desinteresse nos leitores deste blog.

Mas no meio deste tipo de notícias, ainda há aquelas que – pela irracionalidade dos factos – me conseguem surpreender. É o que acontece agora com a notícia da destruição de um cemitério Bahá’í em Najafabad, uma localidade nos arredores de Isfahan. Ali estavam sepultados vários mártires vítimas das perseguições de 1848-1850, assim como membros de famílias bahá’ís falecidos durante os ataques a residências bahá’ís em Maio de 2006.

No passado dia 15 de Setembro, a agência Iran Press News noticiou que, em Najafabad, várias pessoas, usando equipamento pesado e bulldozers, destruíram todas as sepulturas e arrancaram as árvores do cemitério Bahá’í. Apenas terminaram quando todo o cemitério ficou arrasado e todo o vestígio de sepulturas bahá’ís tinha sido eliminado.

Que gente é esta? Que tipo de mentalidade têm? Não haverá limites para a irracionalidade do fundamentalismo? Depois de lutar contra os vivos, também têm de lutar contra os mortos? Que mal lhes fizeram os mortos? Quem serão os próximos inimigos? As sombras dos bahá’ís? O ar que eles respiram?

Sabemos que a sua animosidade contra os bahá’ís dura desde o Séc. XIX. Os motins, os raptos e as execuções, têm sido constantes na história dos bahá’ís no Irão. Nas últimas décadas, a situação manteve-se: os despedimentos, as expropriações, as detenções sem culpa formada, as humilhações, as discriminações contra crianças e jovens que frequentam a escola... tudo isso tem sido tem feito parte da vida dos bahá’ís iranianos.

Mas se a história das perseguições aos bahá’ís no Irão mostra alguma coisa, é que a religião bahá’í não perde força quando é vítima de hostilidades. Se alguém fica a perder com este acto são os iranianos que o perpetraram, e em última análise, a imagem do Islão aos olhos do Ocidente.

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ACTUALIZAÇÃO

Alguns dias depois desta notícia ter aparecido na Iran Press News, de ter sido referida por vários blog e circulado em vários emails, veio finalmente a sua confirmação oficial, acompanhada de uma foto do cemitério agora destruído (em baixo). A notícia está no BWNS.

domingo, 16 de setembro de 2007

Dalai Lama na Mesquita de Lisboa

Um momento alto do diálogo inter-religioso

Um dos momentos mais especiais do diálogo inter-religioso em Portugal viveu-se hoje de manhã na Mesquita de Lisboa. No átrio daquele templo, o Dalai Lama, líder Espiritual do Budismo Tibetano, Mário Soares (presidente da Comissão para a Liberdade Religiosa), Abdool Magid Vakil (da Comunidade Islâmica) e ainda representantes Cristãos, Hindus, Judeus e Bahá'ís usaram da palavra perante algumas centenas de participantes.




Das diversas intervenções poderia destacar algumas ideias defendidas pelo Dalai Lama - figura central deste encontro - nomeadamente o facto da religião ser uma opção individual, e que a vida de cada indivíduo dever ser coerente com a sua opção religiosa; O líder Tibetano salientou que as religiões não podem ser julgadas pelos actos de maldade de alguns dos seus seguidores, pois existe pessoas capazes de actos de maldade em todas as religiões; outra das suas ideias centrava-se na importância de devermos ver cada ser humano como uma criação divina, e consequentemente merecedor de todo o respeito. Também de salientar as palavras do Padre Peter Stilwell, segundo as quais o factyo de existirem semelhanças éticas inegáveis entre as religiões, não nos deve impedir de reconhecer as diferenças entre estas.

Outros momentos interessantes deste encontro ocorreram com a libertação de pombas e durante alguns momentos de recolhimento e meditação na sala de orações da mesquita. Também não posso deixar de salientar a simpatia de todos os muçulmanos que nos receberam, assim como as palavras de enceramento proferidas por Abdool Vakil, onde citou a célebre frase de Ibn Arabi: “O meu coração abriu-se a todas as formas: é uma pastagem para gazelas, um claustro para monges cristãos, um templo de ídolos, a Caaba do peregrino, as tábuas da Tora e o Alcorão. Pratico a religião do Amor; qualquer que seja a direcção em que as caravanas avancem, a religião do Amor será sempre o meu credo e a minha fé.”

Pessoalmente tocou-me a intervenção representante da comunidade Bahá'í ter incluído uma oração. Quantas vezes se ouviu uma oração Bahá'í numa mesquita? Não há dúvida que este mundo está a mudar. Um situação curiosa verificou-se quando a comunidade islâmica, em sinal de apreço pela visita do Dalai Lama, ofereceu ao líder tibetano uma peça de cristal com uma inscrição alusiva ao encontro e onde estavam símbolos das religiões ali presentes. Perante o público, o líder budista identificou todos os símbolos e hesitou quando viu uma estrela de nove pontas. "What is this?" perguntou ele. Várias pessoas não hesitaram: "Baha'i". O Dalai Lama reagiu com uma gargalhada e um sorriso para o representante Bahá'í.

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Sobre este assunto:
Encontro junta religiões (SIC)
Encontro Inter-Confessional em Lisboa, Com a presença de Dalai Lama (Agência Ecclesia)
Encontro histórico carregado de simbolismo - Dalai Lama junta religiões na Mesquita de Lisboa (Correio da Manhã)
Sou um Defensor do Islão (Público, sem link)
Encontro inter-religioso "único e memorável" (Diário de Notícias)
Dalai Lama na mesquita, pela paz (Jornal de Notícias)

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Um pouco mais de coerência, s.f.f.



Quando João Pinto agrediu um árbitro no Mundial 2002, houve logo umas quantas vozes do nosso futebol que vieram em seu socorro e o tentaram absolver.

Quando Avelino Ferreira Torres agrediu um árbitro e uns agentes da GNR no final de um jogo também não faltaram os que apelaram à compreensão e se apressaram a relativizar toda a questão.

Porque se calam esses figurões? Porque não defendem também Luiz Filipe Scolari?

Pessoalmente considero condenável qualquer tipo de violência. O que Scolari fez é lamentável. Mas admiro a sua capacidade para reconhecer o seu erro, e coragem para pedir desculpas em público.

Já agora, refresquem-me a memória: alguém se lembra de João Pinto o Ferreira Torres fizeram o mesmo? Alguém se lembra de de ter visto toda uma equipa/selecção a apoiar João Pinto ou Ferreira Torres?

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Cavaco, Sócrates e o Dalai Lama



“Tudo o que é necessário para o triunfo do mal, é que os homens de bem nada façam.”

(Edmund Burke)

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Diálogo Inter-Religioso

No último post que dediquei ao livro de Bento XVI, Fé, Verdade e Tolerância: o Cristianismo e as Grandes Religiões do Mundo, critiquei as suas posições sobre o diálogo inter-religioso. Como tenho dito, essas são opiniões de uma corrente de pensamento conservador na Igreja Católica. Uma voz, que reflecte outra corrente de pensamento liberal encontra eco nas palavras de homens como Raimon Panikkar. No seu livro O Diálogo Indispensável: Paz entre as Religiões, este teólogo católico tece várias considerações sobre o diálogo inter-religioso para as quais chamo a vossa atenção.

Aqui ficam algumas citações:

O diálogo representa, sem dúvida, um risco real. Poderíamos perder o nosso ponto de apoio, poderíamos inclusive, inverter a nossa situação. A conversão é possível, mas também o é a confusão. Tudo está em jogo. O diálogo requer, portanto, uma enorme confiança no homem – e nesse poder, ordem ou realidade que faz com que o homem seja homem. (p.51)

A finalidade do diálogo não consiste em eliminar opiniões divergentes ou em conseguir a uniformidade do mundo, ou na criação de uma única religião mundial – como se a realidade pudesse ou tivesse que ser reduzida a um princípio único. Esta poderia ser uma consequência inesperada do diálogo, mas não pode ser um pressuposto. (p.52)

Se não tenho dúvidas, se a minha opinião já está estabelecida, se creio já ter alcançado toda a verdade, então não sentirei nenhuma necessidade de diálogo. O diálogo requer essa atitude interior. (p.57)

Com demasiada frequência, as religiões institucionalizadas têm sido um obstáculo para a paz e bendisseram as guerras – inclusive na actualidade. O diálogo entre as religiões não procura eliminar as religiões reduzindo-as a um mínimo denominador comum, de religiosidade generalizada e superficial. O novo diálogo abre uma via intermédia entre todos os baluartes religiosos fortificados que combatem uns contra os outros desde o alto das suas colinas (onde todo o castelo reivindica que a salvação só se encontra dentro das suas muralhas) e uma tediosa estagnação nos vales superficiais da indolência e indecisão humanas, onde toda a religião perde a sua identidade e o seu valor específico. (p.90)

Os ventos do diálogo, que hoje sopram cada vez com mais força, apesar de se construírem, para enfrentá-los, novos e mais altos muros, representam mais do que uma nova moda ou estratégia por parte de alguma velha tradição religiosa para sair de uma certa estagnação. O diálogo tem em si mesmo um espírito religioso. O diálogo é uma autêntica manifestação de religiosidade. Inclusive o medo dos ultra-conservadores, que só vêem no diálogo perigos para as religiões estabelecidas, dá testemunho do carácter destabilizador do diálogo. O diálogo das religiões derruba, de facto, os muros do “nacionalismo” religioso, ao abrigo dos quais se sentem seguros. (p.87)
A comparação com Bento XVI poderá ser injusta. No fundo, Pannikar é fruto de um encontro de culturas (filho de mãe espanhola e pai indiano) e testemunha privilegiada desse fenómeno. O actual líder da Igreja Católica tem necessariamente uma visão muito mais limitada no que toca à diversidade religiosa no nosso planeta. Mas Panikkar habilmente consegue desfazer os mitos, os receios e os equívocos com que por vezes se tenta encobrir o diálogo inter-religioso.

Para um baha’i, as ideias de Panikkar merecem uma análise cuidadosa; é difícil deixar de nos identificarmos com as suas opiniões.

domingo, 9 de setembro de 2007

Comissão da Liberdade Religiosa

Composição da Comissão da Liberdade Religiosa empossada recentemente:

Indicado pelo Governo para Presidente da Comissão:
  • Mário Soares
Indicados pela Conferência Episcopal Portuguesa:
  • José Borges de Pinho;
  • Pe. Manuel Saturino da Costa Gomes.
Indicado pela Comunidade Islâmica de Lisboa:
  • Abdool Karim Vakil
Indicado pela Comunidade Israelita:
  • Esther Mucznik
Indicado pela Aliança Evangélica Portuguesa:
  • Fernando Soares Loja
Nomeados pelo Ministro da Justiça:
  • Juiz Teles Pereira;
  • Prof. Jorge Bacelar Gouveia;
  • Prof. André Folque;
  • Ashok Hansraj (membro da Comunidade Hindu de Lisboa);
  • Nazim Ahmad (presidente da Fundação Aga Khan Portugal)
Se já aqui saudei a nomeação de Mário Soares como presidente desta Comissão, a sua composição merece como comentário duas questões:
  • Das comunidades religiosas representadas nesta Comissão, qual é que não possui personalidade jurídica de Pessoa Colectiva Religiosa, sendo na verdade uma IPSS (Instituição Particular de Solidariedade Social)?
  • Das comunidades religiosas representadas nesta Comissão, quais é que ainda não concluíram o seu processo de radicação?

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

About the Egypt Tourism Ad

During World War I, 'Abdu'l Bahá remained in Palestine. He was under great danger; the Ottoman Governor threatened to crucify Him after the victory over allies. By 1918, during the British advance in Palestine, it was clear that ‘Abdu’l-Bahá’s life was in danger. Some British Baha'is asked the Foreign Office to ensure the protection of the life of the Master and His family. Orders concerning the safety of 'Abdu'l-Bahá were sent to the British Army, in Cairo.

Hasan M. Balyuzi, a Baha’i scholar, describes the events related to this episode in his book ‘Abdu’l-Baha - The Centre of the Covenant. And he quotes a certain Major Tudor-Pole:
Means were found for making it known within the enemy lines that stern retribution would follow any attempt to cause death or injury to the great Persian Master or to any of His household... (p. 427)
It is easy to imagine what a “stern retribution” would be. And in the context of a military conflict it doesn’t surprise me that such a threat was issued to an enemy force. But I certainly cannot imagine a Baha’i issuing such a threat; it is not the way Bahá’is defend themselves.

The attitude of the British Army saved the life of ‘Abu’l-Baha.

Today, baha’is are facing dangers and discriminations in several Muslim countries. And to our surprise a group called The Muslim Network for Muslim Rights began a very interesting campaign to support the civil right of Baha’is in countries like Iran and Egypt. One of the highest moments of their campaign was a video called Egypt Tourism Ad.

I love the video. I found it has a very powerful message exposing the other side of Egypt’s paradise: the lack of civil right for religious minorities such as the Baha’is. I sent the link to several friends and relatives, and at least one Portuguese Christian blog posted it. But I can not imagine any baha’i producing such a video; that is not the way Bahá’is protest against those who deprive them of civil rights.

To those baha’is who see this video as an insult to Egypt or as a harmful approach that doesn't help Baha'is, I have to remind you the following: the language, the methods and tools of Civil Rights Groups may not be the same those of the Baha’is; but they may prove to be efficient to protect our brothers of faith in Egypt and in Iran, just like the language, the methods and the tools of the British army proved to be efficient in saving the life of ‘Abdu’l-Bahá, in 1918.

Luciano Pavarotti

O homem que globalizou a ópera!

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

sábado, 1 de setembro de 2007

Cuestión de fe

Eu sei que disse que ia de férias, mas não resisto em deixar-vos aqui este excerto de um artigo que saiu recentemente no jornal El Pais.
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QUINO PETIT 09/08/2007

Del judaísmo a la Iglesia evangélica. Del cristianismo al islam. Del islam a la fe bahaí. Viajes espirituales que históricamente han provocado intransigencias y todavía hoy suscitan conflictos sociales. Ésta es la historia de personas que un día decidieron cambiar de credo.

A los argelinos Mohamed y Djamila Belhani su fe les pudo costar la vida. El supuesto pecado: secundar en una nación mayoritariamente musulmana los postulados de la religión bahaí, perseguida incluso hasta la muerte en algunos países árabes. Cuando se enteraron en el trabajo, varios compañeros de Mohamed llegaron a amenazarle con secuestrar a su hijo de tres años para alejarle de la tutela de un "infiel". El miedo convirtió al exilio en la única esperanza. Mientras su país se desangraba en una guerra civil que acabó sepultando a más de 150.000 víctimas, la familia encontró asilo en España en 1994. Pero para entonces hacía ya muchos años que su viaje espiritual había comenzado.

Originarios de Orán, la pareja se conoció en un colegio universitario de Argel. Él compartía habitación en el campus con un seguidor de la religión bahaí poco acostumbrado a exteriorizar sus creencias. Hasta que una tarde manifestó ante Mohamed una especie de revelación: "Existe otro profeta, posterior a Mahoma". Y le habló del persa Bahaulá, fundador de la fe bahaí en 1844 como creencia basada en un único Dios que se revela a través de todos los mensajeros divinos. Sin renegar de ninguno, desde Jesucristo hasta Buda. "Yo me crié bajo un islam más de tradición que de confesión, como pasa en España con el catolicismo. Pero desde pequeño me machacaron con aquello de que Mahoma era el último; mi dimensión del mundo se reducía a este salón", recuerda hoy Mohamed, a los 43 años, en su casa de Cambrils (Tarragona). "Ante la sociedad argelina podías mostrarte rebelde, opinar sobre lo que no te gustaba. Pero decir que había otro profeta después de él... ¡Eso no podías ni planteártelo! Era algo así como pasarte al enemigo".

El primer reflejo de Mohamed fue afanarse en desmontar los argumentos de su amigo. La mejor manera que se le ocurrió para lograrlo fue regresar a la casa de su familia, tras licenciarse en ingeniería, y encerrarse todo un verano a estudiar el Corán, la Biblia y varios escritos bahaís. "La religión en los países árabes es muy importante; en cuanto alguien te plantea una cuestión relacionada con ella, intentas resolverla", explica Djamila. A remolque de su novio, ella también se interesó por aquellas lecturas sagradas. Y juntos empezaron a encontrar similitudes entre las distintas religiones, a cuestionarse si era posible quedarse con lo mejor de cada una. A sospechar que no era tan descabellada la idea de aglutinarlas a todas en una sola. Finalmente dieron el paso. "El conocimiento en profundidad del Corán nos ayudó a abrazar la fe bahaí, a evolucionar hacia una religión más completa".

Pronto se lo comunicaron a sus familiares. Atónitos, recibieron de propina la noticia de un enlace inminente de la joven pareja bajo los ritos musulmán y bahaí. "A mi padre le di el disgusto de su vida", admite Mohamed. Dejó de rezar cinco veces al día, abandonó la mezquita y sustituyó el Ramadán por un ayuno durante los 19 días anteriores a cada 21 de marzo, fecha del año nuevo bahaí. Djamila tampoco encontró comprensión entre los suyos: "Mi madre me respetaba, pero mis hermanos me dieron de lado". Después de contraer matrimonio encontraron trabajo en la Empresa Estatal de Hidrocarburos y optaron por no airear en público sus inquietudes espirituales. Hasta que Mohamed decidió que estaba cansado de ocultarse en la oficina para ayunar fuera del Ramadán o justificar su ausencia durante los rezos en horario laboral.

En pleno ayuno previo al 21 de marzo, un compañero le invitó a bajar al comedor de la empresa. Mohamed le explicó la razón de su falta de apetito y su vida dio un giro radical.

"¿Por qué tuviste que contarlo?". Djamila todavía se lamenta. El rumor se extendió por la empresa. Entre las amistades y el vecindario. Muchos amigos fallaron. Algunos les señalaron por la calle. La guerra civil argelina se recrudecía a principios de los noventa, y el matrimonio, con dos hijos pequeños, se sintió presa del miedo. Mohamed logró un visado de turista para un mes en España y la familia llegó a Madrid con lo puesto. En el centro bahaí de la capital encontraron ayuda económica. Tras mucho insistir, Mohamed logró la concesión del asilo territorial con permiso de trabajo. Y volvió a empezar de cero, montando cuadros de luz; Djamila entró en depresión a los tres años: "Ésta ha sido la tragedia de mi vida. Abandonar mi casa, a mi gente. Ya sólo regresamos a Argelia una semana cada año durante el verano. Aunque echo de menos a mi familia, nunca podría volver a vivir allí. Sólo guardo recuerdos de pánico. De intolerancia".

Desde hace seis años, su casa está en Cambrils. Se sienten a gusto y practican en familia los ritos de su creencia. Mohamed ostenta hoy doble nacionalidad, española y argelina. Mantiene a los suyos montando centrales eléctricas. Pero ya no habla de su religión prácticamente con nadie ajeno a la fe bahaí. Prácticamente.

"La persecución a los bahaís es coetánea a su fundación y se prolonga hasta nuestros días, sobre todo en países como Irán. Las ejecuciones durante la revolución islámica estuvieron a la orden del día. Y todavía constituyen allí una minoría oprimida". Esta misma denuncia de Kasra Mottahedeh, secretario general de la Comunidad Bahaí de España, ha sido constatada por numerosos organismos internacionales que siguen clamando al cielo por que estas personas vean reconocidos sus derechos.

En España, la Comunidad Bahaí se engloba dentro de las llamadas confesiones minoritarias y representa alrededor de tres mil seguidores. Si bien no reúnen un número elevado de nuevos adeptos cada año, mantienen un número constante de advenedizos ajenos a los problemas que afrontaron Mohamed y Djamila. Como José Luis Marqués, de 62 años, quien no puso en peligro su vida, pero armó un buen revuelo en casa de sus padres poco después de ordenarse sacerdote. Tenía 24 años cuando encontró sentido a su existencia en la fe bahaí. "A través del estudio comprendí que esta religión explicaba mejor que ninguna otra por qué existe una pluralidad de creencias".

(...)